Os jogadores old school não se parecem em nada com os grinders modernos. Eles preferiam começar o dia com um gole de Jameson e um Marlboro Red, em vez de um banho gelado e duas horas estudando com o solver.

Dois representantes da velha guarda, duas lendas do poker, se viram envolvidos, em 2004, numa batalha que quase tirou a vida de um deles.

O cassino Mirage já não existe mais, mas algumas décadas antes de fechar, foi o palco de um heads-up que durou quatro dias entre Ted Forrest e Amir Dastmalchi.
[Nota do editor: esse duelo não foi um heads-up no sentido tradicional. Todd Brunson mais tarde contou que ele e outros jogadores ocasionalmente se juntavam à ação. Mas Amir e Ted foram os únicos que estiveram presentes durante os quatro dias completos, e boa parte do tempo jogaram um contra o outro.]

O que começou como uma sessão comum rapidamente se transformou numa guerra de resistência.

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Amir Dastmalchi é dono de três braceletes da WSOP, já esteve três vezes na mesa final do Main Event e se sagrou campeão mundial em 1992. Por seus resultados e capacidade de jogar durante dias seguidos, ganhou status de lenda ainda em vida. Suas sessões eram acompanhadas por muito álcool e uma nuvem contínua de fumaça de cigarro.

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Ted Forrest, com 39 anos em 2004, já era regular dos high stakes. Hoje ele soma seis braceletes da WSOP – três conquistados em um único verão de 1993 e outros dois em 2004, no mesmo ano desse duelo lendário.

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Nenhum dos dois imaginava no que aquela partida iria se transformar. Sem perceber, estavam no meio de uma batalha de limit hold’em com blinds de $4.000/$8.000.

Na época, jogadores se orgulhavam de aguentar sessões intermináveis de poker, e querendo ou não, Forrest e Dastmalchi entraram para o folclore do jogo.

Dastmalchi comandou a primeira sessão. Conhecido por seu estilo calmo e agressivo, foi meticuloso ao arrancar fichas do oponente. Forrest pagava mãos fortes e desistia em blefes oportunos. Ao fim do dia, a vitória de Amir parecia questão de tempo.

Mas Forrest tinha suas armas: criatividade, agressividade, inteligência e uma resistência física e mental fora do comum. Ele também conseguia ficar dias à mesa. No segundo dia, adaptou-se ao jogo direto demais de Amir, passou a flutuar com mãos fracas, pressionar nas streets finais e blefar sem medo. Foi uma aula de adaptação e exploração de falhas.

O terceiro dia foi o ponto de virada. Mesmo exaustos e sem dormir, nenhum dos dois queria ceder. Observadores eram unânimes: em maratonas, Forrest era imbatível. Sua “loucura” o levava além dos limites dos demais.

O colapso de Dastmalchi veio no quarto dia. Amir já não escondia a frustração. Tomava decisões impulsivas e descontroladas. Forrest o conduzia a potes enormes e o fazia cometer erros.

O tempo exato do duelo é incerto, mas testemunhas garantem que foram pelo menos quatro dias sem interrupções. A lenda diz que ninguém desistiu voluntariamente: a partida foi interrompida por médicos quando Amir precisou ser socorrido. Ele foi levado de maca ao hospital. Forrest, que ganhou cerca de $1,5 milhão, resumiu com ironia: “Eu mostrei tantos nuts seguidos que o coração dele não aguentou.”

Anos depois, Forrest contou que Amir fumou pelo menos 50 maços de cigarro durante a partida. Acendeu só o primeiro com fósforo — os outros, um no outro.

Amir, por sua vez, disse que passou mal por misturar brandy com comprimidos que não deveriam ser combinados com álcool.

A perda foi além do dinheiro. Durante a sessão, Amir criticou ferozmente a família Binion, dona da WSOP e do cassino Horseshoe na época: "Bracelete da WSOP é lixo. Dizem que vale $5.000, mas eu venderia o meu por $1.500".

Ted Forrest, em silêncio, jogou três fichas de $500 no centro da mesa. Semanas depois, recebeu pelo correio o bracelete do Main Event de 1992.

A briga com a família Binion começou em 1999, quando Becky Binion assumiu os negócios da família. Amir tinha $750.000 em fichas, mas Becky proibiu o cassino de trocá-las por dinheiro. Para receber, ele precisou acionar advogados e a Comissão de Jogos de Nevada. Depois disso, boicotou a WSOP e nunca mais apareceu nos torneios da série.

Poucos sabem, mas em 2004 Amir integrou o lendário grupo “The Corporation”, que enfrentou o bilionário Andy Beal. Mas mais uma vez, quem brilhou foi Ted Forrest.

De acordo com o Hendon Mob, Amir jogou seu último torneio em 2002. Com o tempo, perdeu o interesse pelo poker e, segundo rumores, deixou os EUA no fim dos anos 2000. Alguns dizem que foi pelo boicote à WSOP, outros afirmam que simplesmente ficou sem dinheiro. Seu paradeiro é desconhecido.

Ted Forrest já não disputa potes milionários, mas continua jogando. Todos os anos, no verão, ele aparece na WSOP…